"Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim."





Caio Fernando Abreu






domingo, 8 de maio de 2011

O caos é anterior a todos os princípios de ordem e entropia, não é nem um deus nem
uma larva, seu desejos primais englobam e definem toda coreografia possível, todos éteres
e flogísticos sem sentido algum: suas máscaras, como nuvens, são cristalizações da sua
própria ausência de rosto.
Tudo na natureza, inclusive a consciência, é perfeitamente real: não há absolutamente
nada com o que se preocupar. As correntes da Lei não foram apenas quebradas, elas
nunca existiram. Demônios nunca vigiaram as estrales, o Império nunca começou, Eros
nunca deixou a barba crescer.
Não. Ouça, foi isso que aconteceu: eles mentiram, venderam-lhe idéias de bem e mal,
infundiram-lhe a desconfiança de seu próprio corpo e a vergonha pela sua condição de
profeta do caos, inventaram palavras de nojo para seu amor molecular, hipnotizaram-no
com a falta de atenção, entediaram-no com a civilização e todas as suas emoções mesquinhas.
Não há transformação, revolução, luta, caminho. Você já é o monarca de sua própria
pele – sua liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas:
uma política de sonho, urgente como o azul do céu.
Agentes do caos lançam olhares ardentes a qualquer coisa ou pessoa capaz de suportar
ser testemunha de sua condição, sua febre por lux et voluptas. Estou desperto apenas
no que amo e até o limite do terror – todo o resto é apenas mobília coberta, anestesia
diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal e dor desnecessária.
Avatares do caos agem com espiões, sabotadores, criminosos do amor louco, nem generosos nem egoístas, acessíveis como crianças, semelhantes a bárbaros,
perseguidos por obsessões, desempregados, sexualmente perturbados, anjos terríveis, espelhos
para a contemplação, olhos que lembram flores, piratas de todos os signos e sentidos.
Aqui estamos, engatinhando pelas frestas entres as paredes da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monolitos paranóicos. Arrancados da tribo pela nostalgia
selvagem, escavamos em busca de mundos perdidos, bombas imaginárias.



CAOS
Hakim Bey

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