"Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim."





Caio Fernando Abreu






sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Os humanos: Racionais ou irracionais?

- Como assim não vai acreditar? Na sua terra, vocês falam coisas que não existem? Se você diz alguma coisa é porque quer comunicar isso. Porque não acreditariam? – perguntou.


Percebi que na terra onde eu estava não existia mentira, eles não tinham nem mesmo uma palavra para isso. Comecei, então, a explicar para meu professor como era a vida no meu país.

- Os humanos contam o que chamamos de mentira, ou coisas que não são verdadeiras, para esconder erros que cometem, para iludir os outros, gabando-se de coisas que não fizeram, mas que dizem que fizeram, ou para inventar qualidades que não possuem. Quando roubam ou cometem crimes, mentem para não serem presos.

- Roubam o quê? – ele quis saber – Não existe comida suficiente?

- Temos muito mais comida do que aqui, mas trocamos a maior parte dela com outros países, que nos mandam bebidas, colares, temperos, diversas coisas desnecessárias, mas que servem para atender a ganância humana. Também temos o dinheiro, um tipo de metal que serve para comprarmos tudo o que quisermos: roupas, casas, terra, comida, bebida etc.

- Vocês precisam comprar comida e bebida?

- Sim. Só se consegue as coisas através do dinheiro. Existem ricos e pobres. Os pobres trabalham e são pagos pelos ricos, mas infelizmente, o que recebem não dá para eles comprarem nem mesmo o que comem, quanto mais um lugar adequado para viver.

- Então são os pobres que roubam comida?

- Os ricos, mestre, roubam muito mais, pois querem ter cada vez mais dinheiro, mesmo que não precisem.

Meu professor, que era um belo cavalo cinza, ficou pensativo. Em seguida, disse:

- Sabe Gulliver, seria melhor que vocês fossem irracionais como os Yahoos daqui. Vocês poderiam fazer coisas maravilhosas com a inteligência que possuem. No entanto, contam mentiras, trocam o alimento por coisas insignificantes, passam fome, exploram uns aos outros e acabam se matando por causa desse tal dinheiro que inventaram.

Envergonhado, abaixei a cabeça e disse:

- Obrigado por me receber em sua casa, mestre. Com você e sua família, aprendi a apreciar muito mais a sua raça do que a minha. Vivendo neste país, percebi que não só os houyhnhnms, mas a maioria dos animais são mais dignos do que os seres humanos.


Jonathan Swift - Viagens de Gulliver

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